quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Ponto de situação

O Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico já foi aprovado. A construção da barragem de Padroselos está prevista neste Programa. Aparentemente, não nos restará senão chorar sobre leite derramado. Mas não. Não é assim. A efectiva construção da barragem será necessariamente precedida de um processo de Avaliação de Impacte Ambiental. O que aconteceu até agora, como previsto na legislação em vigor, foi a elaboração e discussão pública de um estudo de avaliação ambiental estratégica. Feito a correr, displicente, versou, como se diria na gíria militar, sobre espingardas e culatras. Já aqui se fez referência, por exemplo, à ligeireza quase ostensiva do estudo, que aponta como «provável» a existência de enguias em cursos de água onde a enguia é abundante e conhecido e corrente recurso gastronómico local.

Resta-nos, portanto, estar atentos e não fazer como fizemos neste processo de consulta pública que teve três sessões de esclarecimento (em Lisboa, em Coimbra e no Porto…), e no âmbito do qual se contabilizou uma participação de cerca de 0,001% de portugueses (ou seja: por cada milhão de portugueses registaram-se dez participações…). Sobre a barragem de Padroselos em concreto, imagine-se – nem um único comentário, um único, em todo este processo de consulta pública, foi produzido…

A nossa democracia tem as limitações que se conhecem. É certo que a aprovação do Programa contou com a nossa distracção, o nosso alheamento. Mas isso não justifica choradinhos. Vem aí um Estudo de Impacte Ambiental e o respectivo processo de Avaliação. Vamos ter a possibilidade de participar, de ser rigorosos e exigir rigor, de questionar, de intervir. Até agora – não obstante o carácter de irreversibilidade que o discurso oficial tem vindo a enfatizar – o que aconteceu foi a aprovação de um Programa geral, estratégico. Falta o essencial: a avaliação de cada aproveitamento hidroeléctrico em concreto.

É este o ponto de situação: a construção ou não da barragem dependerá em muito de nós; do que nós quisermos; da capacidade que tivermos de questionar propostas e rebater argumentos. Exige-se-nos, pois, que permaneçamos atentos, vigilantes. Actuantes.

Pela minha parte, a falta de actualizações do blog reflecte algum desânimo perante a falta de participação dos leitores e de amigos com quem jurei essa vigilância. É um intervalo. Breve. Mas não se desarmará. Um grão de areia é um grão de areia. E este blog será, no mínimo, esse minúsculo grão num processo que, a ir até ao fim, nos haveria no futuro de envergonhar a todos.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Depende

O mail do Negrilho começa a ser usado. Questões recorrentes:

a) o que podemos fazer?
b) vale a pena perder tempo com isto?

À primeira pergunta responder-se-á: inquirir ou adormecer.

À segunda: depende do modo como a cada um de nós a nuvem azul deixa dormir.

Intervalo

Pedimos desculpa por esta interrupção. O programa segue dentro de momentos.

sábado, 22 de dezembro de 2007

Tábua rasa

O Plano de Bacia Hidrográfica do Douro, aprovado pelo Decreto Regulamentar número 19/2001 [cf. Parte VI, alínea n)], considera explicitamente que os rios Covas e Beça se incluem nos «ecossistemas a preservar», onde, em conformidade, ficam proibidas todas as acções que não contribuam «para a preservação e melhoria» dos ecossistemas em causa.

Em nenhuma parte dos estudos relativos ao PNBEPH se faz referência a esta impossibilidade prática, do ponto de vista legal, de levar para diante a construção da barragem de Padroselos. Tábua rasa, portanto, à lei – na sua letra e no seu espírito – eis o que se prevê.

Uma lagoa eutrofizada – não é mais o que agora se propõe em nome de uma política energética que se enredou nas suas mais labirínticas contradições.

A concretização do PNBEPH vai ser precedida da revogação do Decreto Regulamentar número 19/2001? A importância efectiva e então reconhecida destes ecossistemas também se revogará por medida legislativa?...

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Algumas razões

Talvez não seja exagerado dizer que quase ninguém neste país sabia muito bem que coisa era essa do «Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico» (PNBEPH) até um dia acordar e compreender que já estava aprovado pelo Governo. Eu, por exemplo, não fazia ideia. Até ver uns títulos nos jornais e começar a preocupar-me. Até ler o Programa e ficar em pânico.

A minha convicção pessoal é a de que o PNBEPH vai em sentido contrário ao que deveria ser prosseguido em termos de política energética (como aqui já se disse), é mau na perspectiva do desenvolvimento local (as barragens não geram emprego mas apenas alguma animação durante a fase de construção), impede o aproveitamento económico de recursos endógenos ímpares e revela-se desastroso do ponto de vista ambiental e paisagístico.

Mas esta é apenas uma opinião. Haverá outras, não menos estimáveis. O que seria importante era que pudéssemos todos discutir este Programa, com o máximo de informação possível, trocando argumentos, pontos de vista, conceitos estratégicos.

A verdade é que o PNBEPH, contando embora com a nossa generalizada indiferença, não foi aprovado às escondidas. É público. Como pública foi a discussão do respectivo estudo de Avaliação Ambiental Estratégica – embora estivéssemos distraídos. Houve quem não estivesse: quem elaborasse os seus pareceres, quem interviesse. Foram poucos? Parece que sim.

Ora acontece que haverá uma fase decisiva neste processo: o estudo de Avaliação de Impacte Ambiental específico de cada uma das barragens, que será elaborado e oportunamente colocado a consulta pública antes da sua eventual aprovação.

Não é tarde, portanto. É ainda o tempo. O tempo de nos informarmos, de trocarmos ideias sobre o assunto, de intervirmos no processo, de estarmos atentos, de podermos influenciar as decisões finais.

Isto ou adormecer.

domingo, 16 de dezembro de 2007

Contra o milagre

jcb




Os amieiros de Março, ainda sem as folhas do Verão, exibem as imagens pretéritas da enchente. As águas avançam nas margens do rio Beça, ocupam o leito de cheia, sobem os troncos das árvores, deixam nos ramos mais altos os seus anéis, pedaços de ervas secas, a aluvião da torrente.

Um rio vivo é assim que respira, correndo num talvegue desenhado pelo Tempo, imprevisível, único, irrepetível, carreando memórias na direcção do futuro.

Nenhum muro deveria ser erguido contra o milagre destas águas vivas.

O que não existe

jcb





Que musaranho é este? Não sei. Mas avisa-se que não vale a pena procurar no estudo de Avaliação Estratégica Ambiental do Plano de Barragens recentemente aprovado pelo Governo. Este bicho não aparece referenciado em nenhuma das suas páginas, em nenhum dos seus lacónicos parágrafos. Embora esteja representado nesta fotografia, tirada na bacia hidrográfica onde vão ser construídos cinco «aproveitamentos hidroeléctricos», o mais certo é que, como a enguia abundante, provavelmente não exista.

sábado, 15 de dezembro de 2007

Andar ao contrário

O Tratado de Lisboa não podia deixar de apontar novos caminhos para alguns dos novos grandes desafios que se colocam actualmente a nível global. Não surpreende, pois, que preveja disposições específicas sobre política energética; e que, neste domínio, dê clara prioridade à «promoção da eficiência e poupança».

A União não tem outro caminho. Portugal, sobretudo, não tem outro caminho: somos dos países da Europa onde a ineficiência energética apresenta os valores mais elevados e onde os potenciais de poupança de energia podem ascender a 40% do consumo actual.

Mas não. Com o Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico (PNBEPH) decide o Governo atalhar exactamente em sentido contrário ao da promoção da eficiência e da poupança – actuando pelo lado da oferta, do desperdício financeiro, da destruição da Paisagem e de recursos endógenos, do facilitismo e da preguiça.

Veja-se o absurdo: os consumos energéticos actuais no nosso país têm vindo a aumentar 4% ao ano; o nosso potencial de poupança ascende a 40%; o PNBRPH, concluída a totalidade dos investimentos previstos e em velocidade de cruzeiro, prevê a ambiciosa meta de um aumento de 3% da energia disponível…

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

[Ecos, 3]

No Novo Mundo cita-se um texto e deixa-se um link para o Negrilho.

[Ecos, 2]

No blogame mucho explica-se como é que uma betoneira se arrisca a comer lombo de porco de escabeche.

[Ecos, 1]

Na Origem das Espécies, Francisco José Viegas chama a atenção para a ponderação que merece a localização das novas barragens.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Pinheiros bravos

jcb



A encosta é de suaves declives. Mais lá em baixo, nas margens do rio Beça, os amieiros deixam as suas raízes mergulhadas na água. Aqui, junto à casa do velho e saudoso Bonifácio, os carvalhos começam a aparecer, dominando depois, quase até à cumeada, nos mosaicos breves que sobraram à indiscriminada e generalizada política de florestação do Estado Novo: pinheiros bravos feitos para os incêndios e as polémicas do Verão. Esse foi o primeiro sinal de que estes lugares desapareceriam do mapa. O segundo acaba de ser dado com o já aprovado Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico. Este lugar, de acordo com o previsto nesse Programa, ficará submergido por uma albufeira cujo paredão em betão terá noventa metros de altura e mais de meio quilómetro de coroamento.

Da realidade virtual

jcb


Estas trutas, pescadas num troço de rio que desaparecerá para dar lugar à futura barragem de Padroselos, prevista no Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico , de acordo com o estudo de Avaliação Ambiental Estratégica do citado Programa -- não existem.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Aqui não existem trutas

Penso que já não existe nenhum restaurante no nosso país em que as trutas constem da ementa. Claro que falamos da Salmo trutta, e nomeadamente da subespécie fario, e não da truta arco-íris (Oncorhynchus mykiss), ou de aviário, que compramos a olho e ao quilo nos viveiros e nos hipermercados. Certo que havia o mítico Santa Cruz, em Boticas, mas o Santa Cruz acabou e os milagres não se repetem.

Não surpreende: porque a truta é das espécies dos nossos rios mais sensíveis às intervenções antrópicas, à poluição das águas, às alterações da ecologia do meio aquático. De acordo com o Sistema de Informação do Património Natural, o estatuto de conservação da truta é considerado como «vulnerável». O que a experiência empírica nos ensina é isso mesmo: a truta é cada vez mais rara nos nossos rios, desaparece dos troços sujeitos a artificialização e diminui quando a poluição avança ou quando se verificam acções que resultam na fragmentação ou empobrecimento dos habitats.

Curiosamente, o estudo de Avaliação Ambiental Estratégica do PNBEPH (esse mesmo que considera «provável» a presença da enguia nesta bacia hidrográfica, quando toda a gente sabe que a enguia é uma espécie abundante nestes troços de rio…), curiosamente, dizia-se, este estudo não tem uma única referência à truta…

Estas omissões não são aceitáveis e demonstram, a não haver má-fé, a ligeireza e falta de rigor de todo este processo.

Se vamos delapidar irreversivelmente recursos ímpares, ao menos faça-se a justiça de inventariar pormenorizadamente o espólio dos danos para que nos seja permitido compreender a verdadeira dimensão do crime.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Da realidade «provável»

Ao ler-se o estudo de Avaliação Ambiental Estratégica do PNBEPH, ainda que na diagonal, de imediato ressaltam as lacunas, as distorções, as omissões, as superficialidades. Mas a gente lê e não acredita. Como se apenas da má-fé ou da sobranceria pudessem reverter alguns dos enunciados. No Anexo do referido estudo referente à barragem de Padroselos escreve-se esta coisa espantosa: que «não foi confirmada a presença de qualquer espécie (…) com estatuto de conservação nacional elevado, embora seja provável a ocorrência de Enguia-europeia (Anguilla anguilla)».

Notável. Nenhum habitante de Gondiães ou de Seirós, ninguém que conheça minimamente estes troços de rio que vão desaparecer se o PNBEPH for mesmo por diante, nenhum deles, repete-se, ignora que o regato de Gondiães ou o rio Covas estão cheios de enguia-europeia… Tanto, imagine-se, que a comem, frita, em dias que não são necessariamente diferenciados…

O quanto não agradecerão estes campónios que venham agora uns especialistas em ambiente explicar-lhes que é «provável» que existam as enguias que realmente caçam enfiando as mãos nos buracos das pedras do rio…

Daqui para a frente

Andamos todos distraídos. As distracções pagam-se. O Governo acaba de aprovar o Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico (PNBEPH). Entre o marasmo e a voracidade dos dias, o preenchimento de impressos e formulários, as discussões sobre o feitio de Scolari, a localização do aeroporto ou as telenovelas da TVI, uma das maiores ameaças ao ambiente e à economia do mundo rural entrou em velocidade de cruzeiro. Uma opinião pública desmotivada a discutir nos cafés o preço da gasolina em Espanha e o pagamento a expensas próprias das alterações aos contadores da luz, demitiu-se de perguntar que Programa era esse cujas contas iniciais ascendem já (oh, as voltas que esta aritmética dará ainda…) a mais de mil milhões de euros. E agora já está. O Governo aprovou o PNBEPH.

Quase não demos por isso. Distraídos. Mas não apenas nos culpemos da indiferença a que nos votámos: ainda há caminho a percorrer. E o caminho daqui para a frente será o que deixarmos ou exigirmos que seja.

sábado, 8 de dezembro de 2007

Ponte de arame

jcb



Aqui, algures a juzante, em nome de Quioto, do ex futuro presidente dos Estados Unidos e de negócios que não se compreenderam ainda, diz que vai nascer uma barragem com um paredão em betão de noventa metros de altura e mais de meio quilómetro de coroamento.

Uma barragem

Anunciado com pompa e circunstância, o Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroeléctrico prevê a construção de 25 «aproveitamentos» (10 a construir de raiz). Padroselos, no Rio Beça, na Bacia Hidrográfica do Douro, é apenas um deles. Aqui servirá de metáfora da destruição em curso do chamado mundo rural -- esse estorvo à imagem de um país civilizado onde a inovação, os computadores portáteis e a segurança alimentar são alguns dos mais recentes e luminosos ícones.

Num lugar onde o Estado se demitiu há muito de fazer investimentos em favor de quem teimosamente vai insistindo em ficar -- uma paisagem excepcional, um conjunto alargado de recursos endógenos ímpares vão desaparecer ao serviço do Protocolo de Quioto e da redução dos gases com efeito de estufa.

É tempo de dizer que a ruralidade não pode ser considerada como o empecilho à modernidade; e que não há modernidade possível para o nosso país, nem um desenvolvimento equilibrado, nem uma mais justa e equitativa distribuição de riqueza, se a factura a pagar for a destruição do mundo rural.

Aqui, em breve, juntar-se-ão alguns cidadãos que se recusam a assistir em silêncio à devastação do que mais profundamente nos pertence. O Negrilho será apenas uma das suas vozes.

Até breve.